Como será o mercado imobiliário em 2034? Especialistas respondem
Especialistas apontam tecnologias e tendências que podem se consolidar nos próximos 10 anos
Por Breno Damascena
O mercado imobiliário segue um ciclo longo. Da compra de um terreno até a entrega das chaves, cumpre-se uma jornada que pode se estender por anos. É necessário, portanto, se preparar para as mudanças sociais, políticas, tecnológicas e econômicas que se apresentam no caminho. E quais serão essas mudanças nos próximos 10 anos? Como o setor deve se preparar para o futuro?
Em um cenário tão constante, mas que precisa lidar com tantas transformações, como será o mercado imobiliário em 2034, uma década no futuro? Quais tendências vão se consolidar? Quais vão fracassar? Como será o morar? O Estadão Imóveis convidou profissionais e especialistas em mercado imobiliário e urbanismo para responder essas perguntas.
Cyro Naufel, Diretor Institucional do Grupo Lopes
“De 2019 para cá, o mercado imobiliário praticamente dobrou de tamanho. Acredito que em 10 anos o crescimento será mantido, com destaque para o segmento econômico e produtos para a classe média. Os empreendimentos voltados ao alto e altíssimo padrão sempre terão seu nicho, mas mantendo uma participação menor.
Imóveis menores
Acredito que a área média dos imóveis diminuirá com a constante queda na taxa de natalidade e diminuição das famílias. O público single ganhará ainda mais relevância.
A mobilidade será questão fundamental na escolha dos apartamentos. O adensamento habitacional acompanhará a expansão das linhas de metrô nas grandes metrópoles.
Internet das coisas
Outro ponto importante é que com o crescente desenvolvimento da velocidade de conexão, a “internet das coisas” ganhará importância. O lar deverá estar totalmente conectado à internet, ancorado por aplicativos e algoritmos baseados em IA, proporcionando maior facilidade e comodidade para a rotina dos seus moradores.
As experiências absorvidas de maneira abrupta por causa da pandemia farão parte natural do nosso cotidiano. Aplicativos de delivery, ferramentas para coworking e home office, e-commerce, aplicativos de transporte e uso de drones deverão evoluir ainda mais nos próximos 10 anos.
Destaco, também, a relevância que a sustentabilidade terá nos empreendimentos. Todos os edifícios deverão ser ecologicamente sustentáveis, adotando práticas como tratamento e coleta seletiva de lixo, energia limpa, reuso de água, carbon free, processos de reciclagem, entre outras.
Novos modelos de locação
Afirmo que deve haver uma flexibilidade total na locação dos imóveis em termos de utilização e prazos de ocupação. Além das já existentes locações por curta e longa temporada, a oferta de imóveis “por assinatura” poderá oferecer total flexibilidade de ocupação pelo tempo desejado. Algo parecido com o que existe hoje na indústria automobilística com a oferta de carros por assinatura.
Para lidar com todas essas mudanças, as grandes cidades deverão investir cada vez mais na mobilidade, na redução dos deslocamentos e em transportes públicos.
O espalhamento de áreas de lazer, de trabalho e moradia por toda a cidade será fundamental para proporcionar maior qualidade de vida a seus habitantes”.
Maria Eduarda Herriot, Co-Founder e CCO da Bel
“Em 2024, o mercado imobiliário brasileiro ecoa o passado, caracterizado por uma falta generalizada de confiança e relações tensas entre seus stakeholders. A falta de transparência, a precariedade da prestação de serviço e atendimento e os interesses conflitantes entre os participantes da transação prevalecem, perpetuando uma situação, aos olhos de todos, insustentável porém, até então, imutável.
Mais transparência e confiança
Em 2034, veremos um panorama transformado. A confiança nas relações e a transparência, embora demandem aprimoramentos recorrentes, se tornarão elementos-chave.
Mesmo em um mercado desacreditado, muito por conta de um histórico de players fracassando anteriormente, empresas de tecnologia resilientes desafiam o status quo e vão encontrar caminhos para inovar, superando a desintermediação do mercado e oferecendo ferramentas que identificam contornos nebulosos nas transações.
A cadeia de vendas será transformada: marketplaces imobiliários estarão com interesses mais alinhados com as imobiliárias anunciantes, demonstrando valor agregado e desincentivando tentativas de desintermediação como forma de resistência e sobrevivência.
Corretores imobiliários vão deixar de sobrepor as imobiliárias porque haverá um controle maior de performance. Por fim, os proprietários não vão mais contornar as comissões devidas, transacionando diretamente com o cliente interessado, porque conseguem perceber o valor do serviço de intermediação prestado.
Inteligência artificial
A onipresença da inteligência artificial também será notável, reformulando completamente o modelo de busca online por imóveis. Filtros padronizados já começaram a ser desafiados e eles devem dar lugar a buscas altamente específicas em plataformas imobiliárias repletas de informações detalhadas.
Em contraste com 2024, quando anúncios desatualizados e imprecisos são a norma, a busca por propriedades deve se tornar uma experiência precisa e prazerosa. O acesso facilitado aos dados é um divisor de águas e a indústria caminha em direção à construção de uma base de dados integrada, proporcionando uma visão mais holística do mercado.
Fábio Tadeu Araújo, CEO na Brain Inteligência Estratégica
“Veremos algumas transformações, como a troca de madeira por woodframe e outros materiais cada vez mais ecologicamente sustentáveis. Também veremos mais casas e prédios construídos de maneira industrial, como uma resposta à diminuição da mão de obra.
Casas mais conectadas
Porém, o que mais vai mudar nos próximos 10 anos não é o imóvel em si. Ele vai continuar com quatro paredes e um teto. A maior mudança será no que está dentro desses imóveis. A melhora da velocidade da internet e a inteligência artificial vão fazer com que a forma como as pessoas moram mude radicalmente.
Os equipamentos smart farão parte da rotina e todo mundo poderá viver uma vida mais tecnológica, com recursos melhores. As máquinas vão aprender melhor sobre as pessoas e isso deve se refletir em facilidade e comodidade para os moradores.
E quem vive em apartamentos deve sentir as mudanças mais rapidamente e mais intensamente do que quem mora em casa. Os ricos das grandes cidades devem perceber essas mudanças antes dos pobres.
Soma-se ao avanço da tecnologia, a busca do governo por mais regras buscando eficiência energética e acústica, impulsionando essas adaptações em edifícios”.
Paula Santoro, Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP)
Incentivo à bancarização
“É crescente o papel do mercado imobiliário no mundo financeirizado e nas finanças públicas. A tendência é que ele cresça e siga em patamares altos nos próximos 10 anos. Portanto, continuaremos presenciando uma busca do setor por quem hoje não faz parte do mercado tradicional.
Atrás dos recursos dos mais pobres e dos trabalhadores informais, veremos uma pressão ainda maior para a bancarização da população, para que eles tenham conta em banco e possam ir atrás de crédito habitacional.
Parcerias entre Estado e empresas privadas
Outra tendência a se considerar é o fluxo do capital imobiliário no tempo. Os modelos de concessão ou Parceria Público-Privada (PPP) parecem ser uma agenda importante. Isso porque elas significam uma injeção de recursos públicos, sejam financeiros, de terras ou o direito de construir nas operações de construção de novas unidades.
Além da construção, as empresas se encarregam de prestar serviços para a manutenção destes locais, como parques. Assim, o mercado ganha duas vezes: com as obras e com os serviços. Não à toa, cada vez mais essas empresas estão apostando em se tornarem concessionárias.
Infelizmente, também prevejo percalços para a população de baixa renda nos próximos 10 anos. Essas lógicas imobiliárias financeirização tem privilegiado as rendas médias, não necessariamente atendendo ao déficit habitacional que o Brasil enfrenta, que atinge principalmente as famílias que não têm renda ou que recebem de zero a três salários mínimos.
Este é um desafio para a próxima década porque ele já está aí há décadas e não foi derrotado. Cada gestão tenta dar uma solução mágica, mas nada funciona porque é um cenário que demanda soluções de longo prazo articuladas com políticas de saúde, assistência social e econômica.
Preocupação social e ambiental
As empresas também entendem a necessidade de investir em um braço social e ambiental. Acredito que o mercado vai aumentar a procura por recursos de fundos que hoje não investem em habitação de interesse social, como os títulos de impacto ambiental.
Na teoria, é ótimo, mas o problema é que para esses títulos serem emitidos, eles valorizam a alta finança e demandam a entrada do mercado informal, o que pode resultar no endividamento das famílias.
Neste cenário, o grande desafio é pensar o papel do estado, que hoje fornece terras públicas ao mercado imobiliário nas três esferas, inclusive na federal; e que dá subsídios para os mais pobres ingressarem no mercado.
O movimento acontece porque a indústria da construção civil é vista como avanço econômico e de geração de emprego rápido, que ajuda a superar crises. Talvez o olhar fique insustentável porque ao mesmo tempo que existem incentivos para o mercado privado de classes médias, ainda não é possível superar o déficit habitacional relativo a famílias mais pobres, que precisam de apoio total do estado.
Estamos vendo a volta de propriedades públicas para o mercado habitacional, o crescimento de políticas de aluguel em detrimento da casa própria e a tendência de retrofit de áreas centrais ao invés da construção de empreendimentos do zero.
O estado está se posicionando a favor delas, mas é necessário tomar cuidado para que essas três agendas resultem em ondas de estímulo à classe média e a valorização da terra, o que pode acabar segregando mais as cidades”.
Adriano Mantesso, diretor geral da Ivanhoé Cambridge na América Latina
“Em 2034, o mercado imobiliário estará profundamente influenciado por avanços tecnológicos que transformarão a forma como compramos, vendemos e habitamos espaços.
Imersão estimulada pela tecnologia
Tecnologias como realidade virtual e aumentada serão amplamente consolidadas, permitindo que os compradores explorem propriedades de forma imersiva antes de visitá-las pessoalmente. Inteligência artificial, internet das coisas e blockchain estarão plenamente consolidadas, proporcionando eficiência sem precedentes em transações imobiliárias, desde a pesquisa de propriedades até a conclusão de contratos.
Além disso, a inteligência artificial e o aprendizado de máquina estarão integrados aos processos de análise de mercado, de avaliação dos riscos e precificação, melhorando a tomada de decisões ao oferecer insights mais precisos e personalizados aos investidores e corretores imobiliários.
Em termos de demandas dos compradores e locatários, espera-se uma ênfase ainda maior na sustentabilidade e na conectividade digital dos espaços, com uma preferência crescente por edifícios inteligentes e ecologicamente responsáveis.
Maior eficiência energética
As cidades, por sua vez, irão se adaptar a esse cenário por meio de políticas urbanas voltadas para a eficiência energética, transporte público de alta tecnologia e o desenvolvimento de bairros inteligentes e sustentáveis. Ou seja, teremos uma integração cada vez maior de tecnologias inovadoras com priorização de espaços que atendam às necessidades e valores dos consumidores que estarão mais conscientes e conectados digitalmente”.
Crédito: Divulgação/Ivanhoé Cambridge