‘Terreno em área nobre é matéria-prima escassa; preço continuará em alta’, diz presidente do Secovi

Rodrigo Luna, do Sindicato da Habitação, afirma que 2023 registrou aumento nas vendas, mas lançamentos estão no menor patamar da série histórica

Por Wesley Gonsalves

O preço dos imóveis de luxo continuará em alta, segundo o presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Rodrigo Luna, que também integra a diretoria da incorporadora Plano & Plano. Para ele, em São Paulo, o setor vive um problema de escassez de terrenos em regiões nobres por causa da legislação atual.

“Mas a demanda é muito forte e os números mostram que a oferta está no menor patamar da série histórica em relação ao que se produz por ano”, diz ele.

Luna adiantou que, segundo as análises do Secovi, o mercado imobiliário em São Paulo deve encerrar 2023 de maneira positiva, com um aumento no número de vendas variando de 5% a 10%, mesmo com uma redução de cerca de 10% no número de lançamentos de novos empreendimentos para o período.

Em entrevista ao Estadão, o executivo destacou que o crescimento do mercado imobiliário para 2024 dependerá, entre outros fatores, da manutenção da tendência de queda da taxa básica de juros, a Selic, no País. “Se os juros permanecerem altos, sem dúvida nenhuma nós podemos ter um 2024 um pouco mais difícil”, disse o executivo.

Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista.

Qual é o futuro do mercado imobiliário, o perfil dos próximos imóveis no País? Como o sr. vê as mudanças geracionais impactando o tipo de produto ofertado no mercado local?

O setor produz o que a população e a sociedade demandam. E essa evolução tecnológica traz também mudanças comportamentais que têm de estar embarcadas nos projetos imobiliários. Então, as novas gerações trazem impactos de características de produtos muito constantes. Isso é cada vez mais rápido. O mercado está o tempo todo atento para trazer essas adaptações e poder lançar produtos que sejam adequados ao que a população está demandando. O impacto da população mais jovem é muito grande. Por exemplo, os carros. Hoje os aplicativos de transportes são muito mais usados do que o carro na garagem. Isso é uma mudança comportamental e, portanto, uma mudança de produtos também. Nós tínhamos as quitinetes na década de 1970 e 1980, mas com outras características. À época todo mundo tinha o seu carrinho lá embaixo parado na garagem. Hoje, 95% dos apartamentos compactos estão sem vaga de garagem, porque o público usa o compartilhamento de mobilidade urbana. A parte técnica desses apartamentos, por outro lado, tem toda infraestrutura de home office, coworking, lavanderia, área fitness e por aí vai. São todas as características de um comportamento moderno e jovem.

Em relação às demandas do mercado imobiliário, como o sr. tem avaliado os primeiros meses do governo do presidente Lula?

O presidente Lula, através do seu governo, foi aquele que recriou um programa habitacional de interesse social de baixa renda, que foi o Minha Casa, Minha Vida. Como eu disse, desde 1986, com o final do Banco Nacional da Habitação (BNH), não se criou política pública para se produzir habitação de interesse social, o que foi um erro absurdo. O presidente Lula, com muita visão, criou esse projeto que se transformou no maior programa habitacional da história deste País, e hoje um dos maiores do mundo, já com 14 anos de existência, mais de 6 milhões de habitações e entregas. É um programa absolutamente vencedor, que representa algo próximo de 70% de todo o mercado brasileiro em unidades. O presidente Lula, sabedor disso e com toda sua equipe, obviamente continua dando muita atenção e incentivando a ampliação desse programa. Obviamente, a ampliação que ele faz é sempre com muito critério e com muito cuidado, porque nós temos um déficit que chega na ordem de 7 milhões de unidades. Um mercado que cresce de novas demandas em torno de 1,2 milhão, a depender do crescimento do PIB, enquanto o setor formal produz em torno de 600 mil unidades, quer dizer que o déficit só cresce em relação à demanda. Há a necessidade de se ampliar esse programa, só que os recursos são escassos.

Nós precisamos continuar promovendo a ampliação do programa, mas sempre com muito cuidado e preocupação com a longevidade do Minha Casa, Minha Vida. Nós não queremos e não podemos, como sociedade, nos dar o direito de ter mais dois ou três anos maravilhosos e depois ficar de 10 a 20 anos sem produzir. Nós precisamos continuar produzindo por mais de 50 anos, por mais 80 anos para suportar e tentar reverter essa questão do déficit habitacional. Assim, o governo Lula vem trabalhando absolutamente dedicado nesse sentido. Claro que o desafio é muito grande. Temos visto a ampliação do programa, com aumento da rubrica do FGTS para habilitação, mas sempre com muito cuidado para não exaurir os recursos do FGTS. É um governo atento e preocupado com a questão habitacional, principalmente de interesse social.

Quais as projeções do Secovi para o próximo ano? Como o sr. vê o mercado imobiliário em 2024?

Nós ainda não fechamos a projeção para 2024. Em 2023, estamos projetando, pelo andar da carruagem, um crescimento em vendas em São Paulo da ordem de 5% a 10% e uma redução do lançamento da ordem de 10%. Tudo depende muito de como é que será o comportamento da economia brasileira. Porque o mercado imobiliário está muito atrelado ao crescimento econômico, à taxa de juros e à inflação (essa graças a Deus está controlada). Talvez seja o maior dos males do setor imobiliário. Ela está muito bem controlada através de um trabalho muito árduo do governo e do Banco Central. Mas se os juros permanecerem por mais tempo altos, sem dúvida nenhuma, nós podemos ter um 2024 um pouco mais difícil.

Como o sr. avalia o impacto da taxa de juros nos lançamentos do mercado nos próximos anos?

O mercado imobiliário é um setor de longo prazo, em que o crédito imobiliário é o que produz a capacidade de se adquirir a casa própria. O mercado precisa ter juros absolutamente compatíveis com esse longo prazo. O juro alto para o setor imobiliário obviamente não é bom porque, no final do dia, ele aperta ainda mais o orçamento familiar.

Em São Paulo, há um impacto grande do plano diretor e da lei de zoneamento, que é a capacidade de permitir que os terrenos escassos e remanescentes possam produzir uma quantidade maior de oferta para a população. À medida que você vai espalhando, toda vez que moradores das regiões centrais têm de ir, por necessidade ou por falta de opção, morar mais distante, elas ficam mais relutantes e, durante um período, não adquirem ou ficam tentando dar uma solução paliativa. Mas, em algum momento, se não tiver outra opção, elas acabam tendo de morar mais longe. Então a legislação urbana e o crescimento econômico vão impactar no que está por vir em 2024.

Em relação ao avanço do mercado imobiliário de luxo em São Paulo e no Brasil, qual é a sua percepção?

O mercado de luxo é um mercado que também precisa ter políticas que permitam que se aproveite os terrenos para fazer projetos que vão ao encontro do desejo dos seus compradores. É um mercado que precisa de legislação. Os mercados de alta renda, no momento, se concentram nas áreas mais nobres das cidades, que são as áreas onde os terrenos são matéria-prima escassa. O pouco que se tem está muito caro. Então acaba realmente fazendo com que as empresas diminuam o tamanho da oferta de produto nesse segmento de alta renda, que é um mercado muito grande em São Paulo se comparado com outras regiões do Brasil. Mas é um mercado que se limita pela oferta de terrenos que hoje está muito escassa por causa da legislação que nós temos.

O sr. ficou satisfeito com as recentes mudanças no plano diretor de São Paulo?

Foi feito o que é possível. De vez em quando escuto algumas pessoas chamarem São Paulo da Nova York da América do Sul. Eu confesso que gostaria que fosse de verdade. É uma pena que não é? Tem potencial para isso, mas não tem cultura.

A densidade habitacional de Manhattan é quatro vezes a de São Paulo. Imagina você administrando São Paulo e um quarto da área? Tudo muito mais simples, é um investimento muito mais bem planejado, porque você tem um território muito menor para investir. Paris tem três vezes a densidade de São Paulo. Nós optamos, ao longo dos últimos 50 anos, por fazer um desenvolvimento urbano espalhando as pessoas, por uma série de motivos: ideologia, cultura, áreas abundantes. Esse espraiamento da cidade traz consequências, a exemplo do meio ambiente, porque quando você espalha você está ocupando, em tese, áreas que deveriam estar sendo protegidas.

Vamos voltar aos dados de 2023: o mercado imobiliário em São Paulo cresceu em vendas 9,6% ao ano, e reduziu o número de lançamentos em 10%, que mostra que a demanda continua muito forte. Mesmo com todo esse cenário de incertezas econômicas que nós passamos ao longo de 2023, e estamos atravessando, a demanda continua muito forte. Eu não vejo uma tendência dessa demanda cair, vejo sim a possibilidade dos preços subirem à medida que cada vez mais os terrenos são escassos e, portanto, a escassez acaba produzindo preços mais caros. Mas a demanda é muito forte, muito latente, e os números mostram que nós estamos na nossa série histórica com a menor oferta em relação ao que se produz por ano, nós estamos com menos de um ano de lançamentos em termos de estoque hoje, que é muito pouco, e isso acaba obviamente, pela lei da oferta e demanda, produzindo preços mais caros.

https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-presidente-do-secovi-rodrigo-luna-terreno-area-nobre/

Foto: TABA BENEDICTO

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