Um ano depois, índice de diversidade da B3 alcança 8 altas lideranças pretas; número de brancas registra 1,2 mil
Levantamento do ‘Estadão’ mostra as exceções listadas no Idiversa B3, que completou um ano em agosto; B3 diz que companhias de capital aberto estão em ‘jornada evolutiva’
Por Shagaly Ferreira e Heloisa Scognamiglio – editada por Mariana Collini em 25/09/2024
Um ano após sua criação, o índice de diversidade da Bolsa de Valores brasileira, o Idiversa B3, tem apenas seis empresas listadas com executivos autodeclarados pretos em seus conselhos administrativos ou diretorias: Banco do Brasil, BB Seguridade, Ferbasa, Copel, Neoenergia e Vale.
Dados das 75 companhias que integravam o índice até 1º de agosto deste ano, compilados pelo Estadão, mostram oito pessoas nessa posição. O número de cadeiras ocupadas pelos pardos é um pouco mais elevado: 54, mas representa uma pequena fatia no perfil da alta liderança em comparação com executivos brancos, que somam mais de 1.200. No grupo, não há indígenas.
Assim como no quesito racial, a classificação de gênero aponta para um padrão predominante nos colegiados de governança. A maior parte das cadeiras das empresas listadas no Idiversa B3 para diretorias e conselhos de administração é ocupada por homens: 77,33% e 75,60%, respectivamente.
Segundo a B3, embora retratem uma menor proporção histórica em alguns setores quanto à presença de grupos sub-representados ― mulheres, pretos, pardos ou indígenas ― na alta liderança, os dados revelam que as questões de diversidade nas empresas estão em uma jornada de evolução (leia mais abaixo).
O Idiversa B3, criado em 2023, reúne companhias de capital aberto que, de acordo com critérios estabelecidos pela Bolsa brasileira, se destacam em diversidade. O conjunto desses ativos vale como indicador de desempenho médio das ações dessas empresas no mercado.
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Parte dos critérios adotados para a listagem envolve a empresa ter pelo menos um representante de grupos sub-representados no seu conselho de administração e na sua diretoria. Os dados que dão base às classificações são coletados a partir das informações prestadas pelas próprias companhias à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Eles foram obtidos pelo Estadão nos Formulários de Referência (FRE) disponíveis no site do órgão regulatório.
A B3 também leva em conta um score de diversidade, fruto de um cruzamento desses dados com os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que verifica o quão próxima está a diversidade de uma companhia da distribuição populacional do Brasil quanto à raça e ao gênero.
Especialistas ouvidos pelo Estadão foram unânimes em considerar a relevância de um índice de diversidade na B3 para atrelar o tema aos negócios. No entanto, a predominância de um padrão branco e masculino na alta liderança dessas companhias foi visto como “longe do ideal” em termos de representatividade.
Para a diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Valéria Café, por exemplo, isso mostra que a evolução da diversidade nas instâncias de governança das empresas tem acontecido ainda de maneira muito lenta. Ela diz que, segundo estudos, o ideal seria haver ao menos 30% de um grupo diverso sendo representado. “Há pesquisas no mundo que mostram que a diversidade traz menos risco e maior eficiência às empresas. Mas, mesmo assim, existe talvez uma questão histórica de não enxergar que essa evolução precisa acontecer de forma mais rápida.”
Quanto aos critérios exigidos para composição na alta liderança, o levantamento do Estadão aponta que a maior parte das empresas listadas atende melhor à diversidade de gênero do que a racial. Enquanto, por exemplo, nas diretorias os pretos são 0,26%, e os pardos, 5,67%, as mulheres são 17,54%. Já nos conselhos, as pessoas pretas são 0,96%, e as pardas, 1,93%, enquanto as mulheres são 21,02%.
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O desequilíbrio entre gênero e raça na composição desses colegiados pode ser explicado por duas hipóteses diferentes, argumenta a cofundadora do Instituto Conselheira 101, Jandaraci Araújo. O primeiro, segundo ela, tem relação com um pioneirismo da pauta de diversidade nas empresas iniciada pelo viés da inclusão de mulheres. O segundo, diz Araújo, se relaciona com a maior facilidade de promoção de profissionais femininas que já têm relações familiares ― e elas, geralmente, são brancas.
Ela acrescenta ainda que o Idiversa B3 é uma “foto dura da realidade” e coloca luz na importância da agenda de diversidade nos negócios, mas pontua que, no contexto brasileiro, o olhar para raça e gênero precisa ser conectado. “O ponto é que, no Brasil, além de gênero, precisamos olhar para raça, entendendo, por exemplo, porque se prioriza teoricamente uma representatividade de gênero, mas quando há recorte racial é quase zero. Um número abaixo de 1% é muito excludente, anos-luz do aceitável.”
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Fundador do Pacto pela Equidade Racial, Fábio Alperowitch diz acreditar que a diferença na representatividade de raça e gênero mostra perda da relevância que a diversidade tinha no mercado financeiro em 2021 e 2022. Segundo ele, ao alcançar números melhores com a inclusão das mulheres na alta liderança, não houve preocupação das empresas em contemplar outros grupos. “A consequência foi gravíssima. No momento em que as empresas priorizaram a pauta de gênero, elas já se consideravam diversas, e pessoas negras ficaram para baixo na pirâmide.”
Diante do cenário, ele avalia que os critérios do Idiversa B3 não conseguem ainda reunir empresas, de fato, diversas. “A intenção do índice de diversidade é excelente, mas colocar nele empresas não diversas é terrível, pois o investidor preocupado com isso não vai nos relatórios de cada uma das empresas, ele vai pegar as listadas nesse índice para investir. Então, a B3 deseduca ao fazer isso. Seria melhor que tivessem duas empresas até que mais companhias pudessem entrar.”
Ao Estadão a B3 informou em nota que faz um balanço positivo do Idiversa B3 no seu primeiro ano, percebendo que houve interesse de empresas e investidores em entender melhor a metodologia do índice. Quanto ao desequilíbrio de diversidade no quadro da alta liderança, a instituição disse que a maturidade ESG como um todo, incluindo questões de diversidade, está passando por uma jornada evolutiva e que a carteira seleciona as empresas de melhor desempenho em diversidade dentro de seus setores.
“A metodologia do índice reconhece que alguns setores possuem historicamente uma menor proporção de pessoas de grupos sub-representados no quadro de funcionários e órgãos de governança e estão em um processo de melhoria contínua. Com o intuito de incentivar o engajamento de todos os setores na promoção da diversidade, as empresas são comparadas dentro de seus setores”, afirma a nota. “Com essas diretrizes da metodologia, é possível que companhias entrem na carteira mesmo tendo um score de diversidade mais baixo, pois, ainda assim, desempenham melhor do que outras empresas do seu setor.”
Destaques em diversidade na alta liderança
Apesar dos baixos números em relação à representatividade de raça e gênero na alta liderança das empresas do índice, algumas delas se destacam positivamente. É o caso da mineradora Companhia de Ferro Ligas da Bahia (Ferbasa), única empresa do Diversa B3 que não tem maioria branca na sua diretoria, que é composta por cinco pardos, quatro brancos e um preto. Outro ponto fora da curva é a Iguatemi, que tem a diretoria com maior participação feminina: são três mulheres e dois homens. Procuradas pelo Estadão, ambas as empresas não comentaram.
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A Cielo, por sua vez, é uma das poucas entre as 75 empresas que apresentam paridade de gênero na diretoria, com quatro mulheres e quatro homens. “Esse quadro é raro no universo corporativo e ainda mais em empresas do ramo financeiro”, diz Angélica Peres, superintendente de Gente, Gestão e Performance da empresa, que afirma ainda que a presença da diversidade na alta liderança fortalece os negócios. “A variedade de pontos de vista e experiências resulta em decisões mais abrangentes e inovadoras, capazes de impulsionar o crescimento da organização”, declara.
A Cielo aparece na carteira do Idiversa B3 analisada pela reportagem, com data de 1° de agosto. No dia 14 do mesmo mês, porém, a companhia iniciou o processo para a deslistagem da B3 e já não é integrante do índice atualmente.
Já em relação ao conselho de administração, o Banco do Brasil, que é um dos donos da Cielo, aparece em evidência. O conselho da companhia ganha destaque em duas frentes: paridade de gênero, com quatro homens e quatro mulheres, e também como o colegiado com maior porcentagem de membros autodeclarados pretos: 25% ― ainda assim, são dois pretos, ante seis brancos.
Para a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, esse cenário é reflexo de se ter a diversidade como tema prioritário na estratégia corporativa do banco. “Há inclusive metas que impactam a remuneração variável do board (conselho), para ascensão de públicos sub-representados em espaços de liderança”, explica.
Peso do Idiversa B3 no mercado
No início deste mês, a B3 anunciou a atualização da carteira do Idiversa B3, e iniciou o seu segundo ano tendo 82 empresas listadas. Sobre o balanço do primeiro ano, a instituição não divulgou ao Estadão dados sobre a rentabilidade dos ativos ligados às companhias, informando que o desempenho deles precisa ser avaliado em janelas de tempo mais amplas do que um ano, para uma análise mais adequada.
“A qualidade de um índice, de forma geral, está associada à adequação dos critérios de seleção e ponderação aos objetivos estabelecidos em sua metodologia”, complementa a B3 sobre o tema. “Desta forma, entendemos que o Idiversa B3 conseguiu alcançar o objetivo de selecionar empresas que apresentam métricas associadas a critérios de diversidade maior que o observado em outras empresas no mercado acionário brasileiro.”
A pedido do Estadão, porém, a plataforma de inteligência de mercado Quantum realizou um levantamento para retratar a performance dos índices Idiversa B3, ISE (índice de sustentabilidade da B3) e Ibovespa, dentro de um período de 12 meses (15/08/2023 a 15/08/2024). De acordo com a análise dos retornos acumulados dos três índices, o Ibovespa registrou retorno de 14,85%, enquanto o Idiversa B3 e ISE tiveram 8,67% e 5,81%, respectivamente.
O analista da Suno Research, Bernardo Viero, explica que, embora o Idiversa B3 tenha apresentado quase a metade do nível de retorno do Ibovespa, a janela de um ano, como informou a B3, não consegue ser um parâmetro para conclusões sobre a qualidade do índice. No entanto, ele acredita que scores de diversidade, de modo geral, não são os mais adequados para entregar maior retorno e ter peso no mercado.
“O índice nos insere um tema relevante, mas, ao ser utilizado como referência na metodologia de inclusão de empresas no Idiversa B3, não é a ferramenta mais adequada para entregar uma composição de carteira com as melhores perspectivas de retorno”, afirma Viero.
Para a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV, Claudia Yoshinaga, com a adoção da diversidade no quadro das empresas é voluntária, o peso dado ao índice de diversidade no mercado ainda depende de uma vontade muito particular de cada investidor e de sua paixão pela causa. “Quando falamos de diversidade em países em que ela é mandatória, há evidências acadêmicas que mostram que essa diversidade traz mais performance. Enquanto a adoção for voluntária, será muito mais complicado fazer um link entre mais diversidade e melhor desempenho financeiro.”
Já o vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), André Vasconcelos, é mais otimista. Segundo ele, no Brasil, ainda que investidores locais continuem a priorizar fundamentos financeiros como receita, lucratividade e eficiência, há um crescente interesse em práticas ESG que favorece o índice da B3. “Empresas que se destacam em diversidade são, de fato, vistas como mais inovadoras e resilientes, o que atrai potenciais investidores preocupados com a sustentabilidade dos negócios com foco no longo prazo.”
Regulações podem promover mudança
Em meio às diferentes visões sobre o índice de diversidade da B3 no mercado e no ambiente corporativo, os especialistas afirmam que o caminho até uma alta liderança mais diversa tem poucas chances de avançar de forma orgânica.
Na avaliação da diretora do IBGC, Valéria Café, por exemplo, a solução poderá vir da força da CVM e da própria B3. Ela lembra que, a partir do próximo ano, as companhias brasileiras listadas deverão ter pelo menos uma mulher e um membro de grupo sub-representado no seu conselho de administração e diretoria. O próximo passo, segundo ela, é pensar também na representatividade LGBT+. “Eu tenho certeza de que uma empresa, no ano que vem, quando for publicar seus dados no FRE, vai ter um plano para evoluir”.
Ao Estadão, a CVM afirmou em nota que incentiva a transparência na divulgação de informações sobre o tema de diversidade e divulgou em março de 2022 a resolução CVM nº 80, que “trata da prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados para, dentre outros assuntos, reforçar a divulgação dos chamados aspectos ESG.”
Mais do que a força das regulações, a cofundadora do Instituto Conselheira 101, Jandaraci Araújo, acredita que é necessário um movimento de advocacy (defesa da causa) por parte dos investidores, para que as empresas sejam provocadas a mudar seus quadros. “É um pacto para a agenda de diversidade. Ou junta todo mundo para fazer essa transformação ou estaremos daqui a cinco anos falando que não avançamos.”
Foto: Daniel Teixeira/Estadão