Desafios na tradução do ESG para o público: visão do executivo da Grendene

 Desafios na tradução do ESG para o público: visão do executivo da Grendene

Para Carlos André Carvalho, gerente de desenvolvimento sustentável da empresa calçadista, apoio de influenciadores poderia ajudar na formação de um consumidor que ainda é muito sensível ao preço

Por Shagaly Ferreira – editada por Mariana Collini em 19/02/2025 

Comunicar de forma simples ao consumidor informações de sustentabilidade e fazer disso um diferencial na decisão de compra. Para o gerente de desenvolvimento sustentável da Grendene, Carlos André Carvalho, esse é um dos principais desafios do setor calçadista na agenda verde.

A empresa, dona de marcas populares como Melissa, Rider e Ipanema, tem incorporado materiais alternativos em sua produção, oriundos de fontes sustentáveis, como fibra de coco, cana-de-açúcar e casca de arroz, e apresentado informações sobre uma produção amigável ao meio ambiente e com baixa pegada de carbono em seus materiais de divulgação.

Mesmo assim, Carvalho acredita que uma operação sustentável ainda não tem tido peso o bastante para definir a escolha de compra dos consumidores. Isso ocorre, segundo ele, devido à grande sensibilidade dos clientes ao preço e às barreiras de comunicação que tornam “muito técnica” a agenda ESG para o grande público.

Uma das saídas, diz o executivo, é buscar meios mais eficazes de comunicação e engajamento, como o ambiente das redes sociais e o conteúdo de influenciadores digitais de nichos diversificados, para envolver mais pessoas em torno dos benefícios de escolher um produto de menor impacto ambiental.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

A Grendene se consolidou no mercado pelos seus calçados que usam plástico e outros produtos altamente recicláveis. De que maneira a empresa tem trabalhado a reciclagem desses materiais?

Nosso propósito é moda acessível e sustentável. Em 2019, por exemplo, quando lançamos a política de sustentabilidade, quisemos divulgar uma educação para o tema, principalmente nas lojas da Melissa. Temos no Brasil 420 pontos de coleta, onde o consumidor tem a oportunidade (de descartar o produto após o uso). No movimento que fazemos com a Melissa até hoje, recolhemos mais de 13 mil pares de calçados. Nós já fizemos duas edições de lançamento de calçado feito 100% com pós-consumo. Cada franqueado que abre uma loja da Melissa leva um kit de recolhimento.

Esse plástico só tem sido reaproveitado para fazer novos pares de sapato ou para outros usos do processo fabril?

Nos dois formatos. Avaliamos conforme as distâncias. Não é tudo que volta para uma fábrica nossa para fazer um novo calçado. Temos uma parceria com recicladores que fazem desde a desmontagem à moagem, para fazer cabo de vassoura, guidão de motocicleta. Fazemos essa avaliação porque não adianta ser sustentável nesse sentido e ter que se movimentar 3.800 km. Tem um custo da logística e também tem emissão de carbono relacionada a isso. Então, não compensa.

No site da Melissa, a questão da sustentabilidade no produto e na produção é colocada de forma bem aberta para o consumidor. Por que esse movimento?

Tem dois caminhos: por causa da transparência de tudo que fazemos, mas também para levar isso para o consumidor final em uma melhor linguagem possível, para que ele entenda que temos atributos de sustentabilidade, desde as nossas operações ecoeficientes a produtos de menor impacto. Porque esta ainda é uma conversa, infelizmente, muito de técnicos. Esse é o principal desafio de todos que estão nessa jornada. Nós temos medidas (de sustentabilidade) que, para o público consumidor, ainda é difícil de passar. Como vou traduzir que o setor de moda tem uma das menores pegadas de carbono? Como vou falar de efeito climático, fazer a relação? Então, o nosso desafio está na comunicação desses dados. O desafio da indústria da moda é traduzir isso. No Brasil, mais ainda. Na Europa, já é diferente essa conversa. Nos Estados Unidos, também.

Por que a comunicação é mais complicada aqui?

Vejo que ainda não conseguimos traduzir o que estamos fazendo de bem em uma linguagem, talvez, mais simples.

Como a empresa usa produtos alternativos de origem renovável nos calçados, como cana-de-açúcar, casca de arroz, fibras de coco?

Tudo que temos desenvolvido há muito tempo com relação a biomateriais faz parte de uma inovação para experimentá-los no plástico, pois há características que podem mudar. Por exemplo, não adianta ser um biomaterial e arrebentar em um calçado. Nos últimos dois anos, nós lançamos exclusivamente mais de 14 produtos somente com biomateriais. Nosso time de desenvolvimento de fábrica acompanha muito isso, cada passo, cada teste. Dos 14 modelos, nós tivemos mais de 50 compostos novos em teste.

E como tem sido o processo de aquisição desses materiais?

Houve certas situações em que o material estava disponível no mercado e houve o desenvolvimento de biomateriais em startups. Também já tem grandes empresas com esses materiais no portfólio, como o EVA biobased (material à base de cana-de-açucar) da Braskem. Temos essas pontas: o que a gente faz de pesquisa, pegando fibra de coco, moendo, passando em peneira e testando; e tem uma rede de umas 15 startups. E sempre olhamos a relação custo-benefício, senão usaremos algo muito caro e que o produto ficará inacessível depois.

Como esses custos são equilibrados para o consumidor?

Primeiro fazemos testes para saber qual o comportamento desse material. Depois, vemos se o pacote de entrega do produto consegue comportar um valor maior. Mas, na grande maioria, a gente tenta equilibrar esses custos usando, por exemplo, tecnologia e processos internos. Tentamos deixá-los em patamares muito próximos aos custos atuais. Mas, quando temos, por exemplo, algum material diferente, incorporamos mais informação, principalmente, informação que dê significado para o consumidor sobre o porquê de ele valer um pouco a mais.

Além da comunicação com o consumidor, quais outros pontos que são uma barreira para que o setor inteiro consiga avançar em uma produção mais amigável ao meio ambiente?

As oportunidades estão muito relacionadas aos incentivos para essa indústria e também a certificações que geram valor. Por exemplo, na Europa, vemos essas certificações. No Brasil, há uma dificuldade de consegui-las, quando se quer usar um conteúdo reciclado ou biobased. Temos que ir atrás de uma certificação no mercado externo. Também (falta) incentivos para quem investe muito em uma operação de menor impacto. Por exemplo, o que traz diferença para a minha fábrica ao investir muito em tecnologias de produção mais limpa? Hoje, o conjunto do ecossistema que apoia uma produção mais limpa na indústria da moda como um todo está fraco no Brasil. E nós temos um grande discurso que é um diferencial comparado aos outros países do mundo em nível de produção. Temos uma energia limpa. Nossa produção já tem um menor impacto. Acredito que, se esse mesmo volume de produção fosse feito na China, por exemplo, não teria essa menor pegada. Sobre incentivos para a cadeia produtiva, a gente já fez calçado com algas. Qual é o incentivo para essa cadeia se desenvolver? Uma startup precisa de muito dinheiro inicial para fazer alga virar uma matéria-prima.

O que falta, então, é um incentivo financeiro maior para dar robustez a essa cadeia?

O incentivo financeiro e também algumas regulamentações positivas. Para fábricas altamente eficientes e eficazes, o que há de tecnologia embarcada para colocar em uma indústria dessa? O que pode ter de planos de financiamento a longo prazo que pode ser utilizado? A estratégia para uma economia mais sustentável tem que vir com um pacote: governo, federações, indústria e associações.

O setor está, ao menos, tentando avançar de maneira unificada ou agindo pontualmente?

Acredito que hoje o mercado calçadista não está tão integrado, dependendo ainda de empresas que levantem isso como seu propósito.

E sobre as certificações internacionais?

Para falarmos que somos sustentáveis, precisamos certificar. O Brasil está muito próximo do equívoco das marcas efetivarem um greenwashing (fingirem que são sustentáveis). Nos Estados Unidos, na Europa e em outros países, já não dá para fazer isso, porque ou você é ou você não é. Para exportarmos, precisamos de certificações de responsabilidade socioambiental. Isso também é um mercado no Brasil que não é valorizado, e não tem oportunidade porque não tem demanda. Nós anualmente fazemos medidas de impacto, mas como é que isso vira algo de valor para o consumidor final? Hoje, o consumidor quer saber mais sobre preço.

De onde viria a solução para esse maior engajamento do consumidor?

Tornar essa comunicação clara para o consumidor. Hoje, nós estamos muito conectados às redes sociais. O tempo que temos são 30 segundos a 1 minuto para um Reels (no Instagram). (Precisamos de) influenciadores que vivam aquele propósito da sustentabilidade mais básica para poder divulgar isso na realidade para todos. Aquele influenciador que possa dizer: “Vem olhar que coisas superimportantes essa indústria está fazendo, ela está sempre inovando e também tendo um potencial de competitividade”. Porque a empresa se torna mais competitiva, quando se olha a sustentabilidade de uma forma séria, com uma produção mais limpa, menos resíduo, menos consumo de energia e de água. Esse é o grande desafio. Mesmo estando em um momento político bem complicado (para a agenda ESG).

Sobre esse momento político, com algumas empresas falando em recuo de políticas ESG, a Grendene também pretende modificar suas políticas de sustentabilidade?

Entrei em 2011 para criar a área de sustentabilidade na empresa. Já tivemos vários marcos. O nosso propósito é ser perene. Ele traz a sustentabilidade como um pilar estratégico. Então, só iremos avançar, porque a sustentabilidade traz resultado para a empresa mais rápido do que se pensa, traz também transparência. Não é uma onda. Tratamos sustentabilidade e inovação como irmãs siamesas.

https://www.estadao.com.br/economia/governanca/setor-calcadista-linguagem-tecnica-esg-publico-grendene

Foto: Grendene/Divulgação

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