Opinião – ‘Agenda woke’ ou responsabilidade social? O debate que ninguém quer encarar

 Opinião – ‘Agenda woke’ ou responsabilidade social? O debate que ninguém quer encarar

O que antes era chamado de responsabilidade social empresarial ou ESG agora é, para alguns, expressão de “ideologia”. Para outros, um avanço civilizatório

Por Silvia Virgínia de Souza 

Afinal, o que é essa tal de “agenda woke”? O termo, originado nos Estados Unidos, deriva da palavra “awake” — estar desperto — e foi inicialmente usado para representar a consciência sobre desigualdades raciais e sociais. Com o tempo, passou a ser associado a movimentos por equidade de gênero, raça, orientação sexual e outros recortes identitários. No entanto, ganhou conotação pejorativa em certos círculos, sendo usado para desacreditar pautas de inclusão como se fossem exageradas, ideológicas ou deslocadas da realidade.

Classificar políticas de inclusão como “agenda woke” tem se tornado um discurso presente no senso comum. Porém, fato é que essa rotulação nada mais é do que uma forma de esvaziar a seriedade de um debate urgente — e que, nos últimos anos, ganhou corpo tanto na agenda de políticas públicas quanto no mundo corporativo.

Quando empresas assumem compromissos com direitos humanos, ações afirmativas e diversidade, não estão aderindo a uma “moda ideológica” — estão respondendo a uma realidade social inegável e a uma responsabilidade imposta para o desenvolvimento sustentável e responsável: o Brasil é profundamente desigual, e enfrentar essa desigualdade é responsabilidade de todos os setores, inclusive o privado.

Além disso, os 31 Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos tratam dos parâmetros e diretrizes a serem adotadas por empresas para essa finalidade. Eles não são opcionais para quem deseja operar com responsabilidade e reputação no século XXI.

Sem deixar de mencionar que tais medidas repercutem diretamente no impacto financeiro positivo dessas empresas, haja vista que, por exemplo, para acessar capital financeiro de bancos públicos é necessário demonstrar a implementação de medidas de sustentabilidade e de diversidade e inclusão.

Tenho convicção de que políticas corporativas de diversidade, equidade e inclusão não só são legítimas, como indispensáveis — e contribuem de forma perene para a sustentabilidade dos negócios. O incômodo que elas provocam — principalmente quando envolvem raça e gênero — revela o quanto determinados setores da sociedade ainda resistem em lidar com desigualdades históricas que estruturam nossa sociedade e atravessam o mercado de trabalho.

Nos últimos anos, as empresas passaram a ser desafiadas a ir além dos balanços financeiros e dos relatórios de sustentabilidade. Pressionadas por investidores, consumidores e, em alguns casos, por marcos legais, começaram a assumir compromissos em temas tradicionalmente vistos como pertencentes à esfera pública.

Mas, à medida que essas políticas foram sendo implementadas — com metas para contratação de mulheres negras, ações afirmativas em processos seletivos e códigos de conduta alinhados a princípios de respeito e não discriminação — surgiu também uma reação. Parte da sociedade passou a chamar esse movimento de “agenda woke”.

Esse rótulo, ainda mal definido, tem sido usado como arma retórica para desacreditar iniciativas inclusivas. O que antes era chamado de responsabilidade social empresarial ou ESG, agora é, para alguns, expressão de “ideologia”. Para outros, um avanço civilizatório. E nesse embate de percepções, o que está em jogo é o papel que se espera que as empresas desempenhem na sociedade contemporânea.

É legítimo esperar que uma corporação se comprometa com os direitos humanos? Onde termina o marketing de causas e começa o compromisso ético? Ao classificar políticas de equidade como “woke”, estamos promovendo o debate ou tentando silenciá-lo?

O debate é necessário. O problema começa quando as políticas de diversidade são atacadas não por seus resultados, mas por sua existência. A rotulagem de iniciativas como “agenda woke” pode ser um modo de deslegitimar avanços conquistados a duras penas, sobretudo por grupos historicamente marginalizados. Mas também pode ser, paradoxalmente, um sinal de que essas pautas estão finalmente sendo levadas ao centro das decisões.

Talvez seja hora de deixar de lado os rótulos fáceis e assumir a complexidade do momento. Direitos humanos não são monopólio de governos ou de organizações da sociedade civil. São, cada vez mais, uma responsabilidade compartilhada. E se queremos um país menos desigual, a participação do setor privado será essencial.

Mais do que discutir se uma política é “woke” ou não, deveríamos estar discutindo se ela é eficaz, justa e transformadora.

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/agenda-woke-ou-responsabilidade-social-o-debate-que-ninguem-quer-encarar

Foto: Getty Images

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *