Setor industrial de tintas no Brasil prevê redução na pegada de carbono em cinco anos

 Setor industrial de tintas no Brasil prevê redução na pegada de carbono em cinco anos

Associação que representa o segmento definiu, pela primeira vez, diminuição de 25% até 2030 após resultado de inventário de emissões de gases de efeito estufa; País é um dos cinco maiores mercados mundiais de tintas

Por Shagaly Ferreira – editada por Mariana Collini em 25/04/2025 

A indústria de tintas no Brasil pretende dar passos mais largos rumo a uma produção mais sustentável e menos poluente, com meta de reduzir em 25% sua pegada de carbono até 2030. O objetivo setorial, baseado nas emissões diretas (escopos 1 e 2) registradas em 2023, é diminuir a emissão média de 0,0274 kgCO₂e para 0,007 kgCO₂e por quilo de tinta.

A previsão e os cálculos sobre o tema são da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati). A entidade, que representa empresas fabricantes de tintas industriais, imobiliárias e automotivas no País, estabeleceu em março deste ano a meta que dará base para a descarbonização desse mercado.

O caminho até o estabelecimento da meta envolveu o engajamento das empresas do setor em torno do primeiro “Inventário Setorial de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE)”, da Abrafati, como uma atividade da agenda do programa setorial de sustentabilidade. O material, elaborado em 2024, reuniu dados das emissões de 75% de seus associados, que forneceram informações com referência ao ano base de 2023.

O estudo mostrou que, neste ano base, a indústria de tintas emitiu aproximadamente 44,5 mil toneladas de dióxido de carbono (CO₂), nos escopos 1 e 2. Os dados não contemplaram a produção de tintas gráficas e alimentícias, uma vez que as empresas desse segmento não fazem parte da associação.

“Terminamos o inventário no final do ano com uma fotografia (do setor) e fizemos contas, olhando as oportunidades. Parece pouco, mas é uma meta audaciosa”, explica o presidente da Abrafati, Luiz Cornacchioni. “Estamos falando de quase 4% (de redução) ao ano, e para reduzir isso não é pouca coisa que precisaremos fazer.”

Para monitorar esse processo, o programa setorial de sustentabilidade definiu a confecção de um novo inventário para acompanhamento da redução de emissões em dois anos, além da realização de outro estudo de mesma natureza em 2031, para averiguar o atingimento da meta estabelecida para 2030.

“Há um acordo setorial para irmos avançando sempre, usando como base o ano de 2023″, afirma o presidente. “Em 2027, um novo inventário está no radar para medir a temperatura, se estamos ou não indo bem, para chegar em 2030 com 25% ou mais (de redução). Há todo um processo pronto e coordenado para isso”.

Desafios para a redução

A meta de redução será desafiadora para um setor robusto. Segundo dados da entidade, o Brasil é um dos cinco maiores mercados mundiais de tintas, que têm a China no topo. Em 2024, o País produziu 1,983 bilhão de litros do produto − 6% a mais em volume do que no ano anterior. A maior parte dessa produção, 75,1%, corresponde às tintas imobiliárias. As tintas industriais e automotivas correspondem às fatias de 19,3% e 5,6%, respectivamente.

A maioria das emissões dos escopos 1 e 2 dessas empresas vem de combustão e de processos de produção, tendo como cinco principais fontes: operação de caldeiras (28%); uso de gasolina (16%); uso de diesel (7%); uso de gás liquefeito de petróleo (GLP) (6%); e refrigeração (5%).

Para alcançar a meta de redução, a Abrafati definiu como medidas estratégicas:

A substituição de gasolina por etanol em veículos;

A adoção de energia renovável;

A utilização de combustíveis alternativos como biomassa, em substituição ao GLP;

A implementação de empilhadeiras elétricas em vez de equipamento a gás;

E a utilização de gases de refrigeração com menor impacto ambiental, como o uso do gás R-32 considerado menos impactante ao meio ambiente do que o gás R-410a, comumente utilizado em refrigeradores e ar-condicionados.

No inventário, as emissões de escopo 3 (aquelas relacionadas aos fornecedores e demais serviços terceirizados das empresas) não foram contabilizadas e nem entraram nas metas de descarbonização. Segundo a gerente de sustentabilidade da Abrafati, Cindy Moreira, devido ao tamanho do desafio de descarbonização desse mercado, a associação optou por começar o processo pelas suas próprias emissões.

“Ainda não batemos o martelo em relação ao escopo 3, pois ele é muito desafiador para vários setores, não só o nosso”, explica. “As empresas sabem da importância, mas estamos considerando, por enquanto, somente os escopos 1 e 2, o que já é um grande passo para um setor no qual algumas empresas nunca fizeram um inventário.”

Prazo curto, mas alcançável

Diante da natureza da sua operação, ao propor a redução de 25% da pegada de carbono até 2030, a indústria de tintas irá lidar com um prazo ‘relativamente curto’, aponta o diretor da Faculdade de Química da PUC-Campinas, Marcelo José Della Mura Jannini. Porém, segundo ele, considerando que é alto o potencial de substituição dos insumos atuais por aqueles de origem sustentável nessa produção, a meta, ainda que não seja alcançada nesse prazo, não precisará de mais tempo para ser atingida.

“Para se ter ideia, se a gasolina envolvida no processo de fabricação de tintas (7,12 mil toneladas) for substituída por etanol na mesma quantidade, seria 52% a menos de emissões, representando uma redução considerável”, exemplifica. “Comparando a indústria de tintas com outros setores industriais, o processo de descarbonização é menos utópico e torna-se mais palpável e operacional.”

Será necessário, no entanto, um investimento que torne as substituições viáveis economicamente, ressalta Jannini. Além disso, acrescenta o especialista, será preciso a aquisição de novas tecnologias que otimizem o processo de produção e diminuam os custos para essas implementações. O foco é atacar a emissão de CO₂ por caldeiras, que representa a maior porcentagem das emissões, ainda que por meio da compra de créditos de carbono.

“Existe a possibilidade de caldeiras alimentadas por biomassa. A questão é a eficiência energética dessas caldeiras, que é muito baixa comparada a uma alimentada a combustível de origem fóssil. Economicamente, é inviável para a indústria de tintas e outros setores essa substituição. Alguns setores optam por uma geração energética de origem mista biomassa/combustível fóssil para justificar uma possível compensação. Muitas vezes, a aquisição de créditos de carbono passa a ser uma alternativa.”

Como as empresas têm agido

Individualmente, as empresas do setor têm buscado suas próprias estratégias para descarbonização, com metas de redução da pegada de carbono ainda mais ambiciosas que a setorial. É o caso da Basf, fabricante das tintas Suvinil. A empresa, que é uma das companhias que forneceu dados para o inventário da Abrafati, pretende reduzir 40% da pegada de carbono dos escopos 1 e 2 até 2030 e ser carbono neutro até 2050.

De acordo com o vice-presidente de Tintas Decorativas da Basf América do Sul, Marcos Allemann, o foco estratégico de sustentabilidade da empresa tem sido o de aprimorar processos produtivos, ao mesmo tempo em que reduz impactos ambientais, incluindo avanços no reaproveitamento de resíduos e iniciativas de pós-consumo.

Entre os destaques estão: a aquisição de equipamentos mais eficientes, que proporcionam uma economia energética de 40%, a geração zero de resíduo líquido, com 100% da água consumida sendo reaproveitada em limpezas da operação; o reaproveitamento do pó das matérias-primas, antes descartado, para a fabricação de algumas linhas de tintas; além dos pontos de coleta de embalagens e restos de tinta pós-consumo em cinco Estados, para destinação adequado desses materiais.

O trabalho exige quantias altas. “Em 2023, (fizemos) o investimento de € 8,5 milhões (aproximadamente R$52,6 milhões) na modernização do Demarchi, planta produtiva da Suvinil localizada em São Bernardo do Campo (SP). Essa foi considerada uma das medidas recentes mais impactantes para a visão de economia circular nas operações da companhia”, destaca o gestor. “Foi uma continuação dos movimentos feitos em 2021 e 2022, que aportaram R$ 120 milhões para melhorar a produtividade e a flexibilidade de fabricação nessa unidade e em Jaboatão dos Guararapes (PE).”

No caso da Weg, que também participou do inventário da Abrafati, não foram divulgados os valores já investidos na área. No entanto, a companhia afirma que sua jornada de descarbonização e transição para fontes renováveis segue em “ritmo acelerado”, tanto por meio da autogeração quanto pela aquisição de energia renovável, utilizada em caldeiras, veículos automotores e empilhadeiras.

O diretor da Unidade Tintas da Weg, Rafael Guerreiro Torezan, afirma que, desde 2022, a fabricante mantém o “Programa Weg de Carbono Neutro”, para atingir metas de redução de emissões. A primeira delas é reduzir as dos escopos 1 e 2 em 52% até 2030 e atingir net zero em 2050.

“Os projetos para redução de emissões são focados em quatro frentes: eficiência energética, eficiência operacional, energias renováveis e mobilidade elétrica. As ações são bastante abrangentes e incluem investimentos em modernização de processos, tecnologias mais eficientes e ampliação do uso de energias de fontes renováveis”, diz. “Com dois anos do Programa, já atingimos importantes resultados. Em 2023 (por exemplo), a companhia reduziu em 25% suas emissões em comparação ao ano base de 2021.”

No entanto, o executivo ressalta que o trabalho não é uma empreitada fácil. “A descarbonização é uma jornada que, sem dúvida, envolve muitos desafios. E um deles é manter todos os times engajados na identificação de oportunidades de redução. Por isso, ao longo do ano, desenvolvemos iniciativas de treinamento e compartilhamento de boas práticas, para promover o comprometimento de todos com a nossa jornada de descarbonização. Apesar dos desafios, estamos avançando em nossos compromissos.”

https://www.estadao.com.br/economia/governanca/reducao-pegada-carbono-industria-tintas-brasil

 Foto: Sandro Portaluri/Weg/Divulgação

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