Ser mãe me preparou para ser CEO, diz presidente da Merz Aesthetics

 Ser mãe me preparou para ser CEO, diz presidente da Merz Aesthetics

Gestora no Brasil da empresa farmacêutica alemã, Giovana Pacini alçou o posto após a maternidade, mas avalia que teve uma rede de apoio que a maior parte das mulheres não tem

Por Shagaly Ferreira

‘Mãe de gêmeos, líder e praticante de yoga’. É com a maternidade destacada à frente do cargo de liderança que a executiva Giovana Pacini se descreve no seu perfil profissional na plataforma LinkedIn. A escolha, segundo ela, não foi por acaso. CEO da subsidiária brasileira da Merz Aesthetics, farmacêutica alemã do ramo da estética, a gestora quis, desse modo, comunicar a relação não excludente entre filhos e trabalho na sua vida.

Para Pacini, gerar e criar duas crianças tão diferentes (Eduardo e Carolina, nascidos em 2015) lhe trouxe, inclusive, habilidades que serviram como preparação para assumir a direção de uma empresa. A promoção à presidência chegou quando seus filhos tinham cinco anos. “A maternidade trouxe uma segurança e um olhar extremamente mais amplo do que eu tinha antes. É uma segurança de, às vezes, ser mais rígida quando é preciso ser rígida (como gestora), e ser mais afetiva ou celebrar quando é preciso celebrar.”

Com a gravidez, houve medo de estagnação na carreira, mas, pelo contrário, a executiva recebeu uma rede de apoio que lhe deu um suporte valioso naquele momento. Da condição financeira para contratar uma cuidadora, passando pela colaboração do marido e da mãe, Pacini reconhece que foi privilegiada com uma realidade diferente da vivida pela maioria das mulheres durante a maternidade. Ela busca, hoje, encorajar as mães que estão sob sua gestão, avaliando as diferentes possibilidades.

“Por mais que eu fale das dificuldades que a mulher tem hoje em conseguir conciliar ou tentar conciliar (vida pessoal e trabalho), eu sou uma pessoa muito privilegiada. Tenho privilégios incríveis que grande parte das mulheres não tem”, pondera Pacini. “(Na Merz) para aquelas mães que eu percebo que querem (crescer) e que têm medo eu dou muito os meus exemplos e trago de uma maneira muito real, me colocando não como uma CEO, mas como mulher que tem os mesmos medos.”

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Como começou a sua história com a maternidade?

Sempre tive vontade de ser mãe, porque tive uma relação muito forte com a minha mãe, que faleceu há alguns meses. Sou de uma família de cinco irmãos: quatro homens e eu. A minha mãe parou de trabalhar quando nasceu o meu primeiro irmão, e o meu pai era quem trabalhava. (Porém) ela sempre incentivou muito a minha independência. Então, eu sempre quis ter filhos e ser para eles o que minha mãe foi para mim. E eu acreditava que tinha de me consolidar profissionalmente antes de ser mãe. Engravidei com 39 anos, e veio o susto de serem gêmeos, me deu um pouco o desespero. Depois, fui entendendo que era abençoada por ter a possibilidade de ter duas crianças de uma única vez. Eu estava trabalhando em outro laboratório farmacêutico, já há 5 anos, como gerente de marketing, quando engravidei.

Na época, a sra. contou com uma rede de apoio?

Sim, eu tive. Eu sempre falo que, por mais que eu fale das dificuldades que a mulher tem hoje em conseguir conciliar ou tentar conciliar (vida pessoal e trabalho), eu sou uma pessoa muito privilegiada. Tenho privilégios incríveis que grande parte das mulheres não tem. Primeiro, a condição financeira para poder contratar uma pessoa para me ajudar quando eles nasceram. O meu marido me ajudava também. Tinha a minha mãe, que morava perto da minha casa. Então, para mim foi muito mais fácil do que é para a grande parte das mulheres. E, financeiramente, eu também estava amparada pelo meu trabalho. Então, sou e fui muito privilegiada.

Algo mudou na volta ao trabalho após o nascimento das crianças?

Quando voltei, já não estava igual. Antes eu era responsável pela unidade de negócio mais importante da empresa e, quando voltei, fui colocada para tomar conta de um produto que não tinha uma importância (tão grande quanto a outra área). O primeiro pensamento foi que tinha desandado, que não iria conseguir crescer mais profissionalmente, e se eu quisesse sair ninguém iria me contratar com duas crianças de 6 meses. Passa muita coisa na nossa cabeça. É a insegurança de criar o filho, a insegurança de voltar para o trabalho, de sentir que perdeu espaço e que não haverá mais espaço no futuro. Depois de alguns meses, eu recebi uma proposta para vir para a Merz, e fiquei surpresa positivamente que a empresa tinha me visto, sabia que eu tinha duas crianças, e tinha pensado em mim para um cargo mais alto do que eu exercia.

Então, o medo veio após a maternidade?

Antes (de engravidar) eu não tinha medo, porque, para mim ser mãe era um upgrade para as executivas. E eu nem sabia na prática o quão desafiador é ser mãe. Eu pensava: “A gente consegue ser mãe, que dirá fazer gestão de uma empresa”. Para mim, me ajudaria demais os ensinamentos e as práticas que eu iria ter sendo mãe dentro de uma companhia. Vejo que a maternidade trouxe uma segurança e um olhar extremamente mais amplo do que eu tinha antes. É uma segurança de, às vezes, ser mais rígida (como gestora), quando é preciso ser rígida, ser mais afetiva ou celebrar quando é preciso celebrar.

Isso significa que ser mãe ajudou a sra. a ser uma CEO?

Ajudou a ser uma CEO, com certeza. Hoje tenho as minhas fortalezas e sou capaz de fazer muita coisa na empresa pelo fato de eu ser mãe.

E, entre suas pares, já no alto escalão, a sra. percebe algum tipo de medo ou até pressão de algum modo, no mundo corporativo, para que não tenham filhos em virtude da carreira?

Eu, honestamente, não conheço alguém que deixou de ser mãe para ser só uma executiva. Mas eu conheço algumas delas que falam que um papel não complementa o outro, que é muito difícil viver os dois papéis, e que um inviabiliza muito o outro. E não é que eu não sinta dificuldade. Não é que eu não sinta culpa, muitas vezes, de não ir, por exemplo, buscar minha filha ou meu filho numa festa. Tem outras situações em que eu esqueço (um compromisso) e eu me sinto mal. Ao mesmo tempo, eu tenho sido muito mais gentil comigo e falo: “Giovana, você não esqueceu a sua filha, você esqueceu uma consulta”, por exemplo. E não quer dizer que eu ame menos a minha filha, quer dizer que, naquele momento, a minha cabeça estava com muitas coisas e eu não consegui captar aquilo. Vejo que muito do não aceitar que não existe o equilíbrio 100% vem da falta de gentileza e perdão com nós mesmas.

É como se a maternidade lhe trouxesse para um lugar de descobertas de novas potencialidades na gestão?

Total. Quando nasce um filho, o nosso foco deixa de ser nós. Nós centralizamos tudo nos filhos. E, muitas de nós, nos anulamos para viver para os filhos. Mas eu tenho de manter quem eu sou, e eu sou a Giovana. Quando falo que temos vários papéis: a mãe, a executiva, a filha, a amiga, nós temos a tendência de deixar o nosso papel como ser humano por último. Isso é, para mim, é um erro muito grande, e a partir daí, nos perdemos em todos os outros papéis. Como que eu, Giovana, vou ser uma melhor mãe? Eu tenho de me autoconhecer, tenho de fazer coisas que me melhorem como pessoa, para que eu possa ser uma melhor mãe, uma melhor filha, uma melhor esposa, uma melhor executiva.

Como a sra. lida com as mães que estão sob seu comando, para que elas tenham possibilidade de também ter esse perfil?

Primeiro, com um exemplo. Com o exemplo fica muito claro que é possível. E claro que não é uma questão de comparação. O que eu procuro sempre fazer é mostrar que é possível dentro da realidade de cada uma, das limitações de cada uma, e o mais importante é elas entenderem o que elas querem. Porque também tem muitas mulheres que querem só ser mães e que falam que não querem crescer mais (na carreira). Respeito todas, porque é uma questão individual. Porém, aquelas que eu percebo que querem (crescer) e que têm medo, eu dou muito os meus exemplos e trago de uma maneira muito real, me colocando não como uma CEO, mas como mulher que tem os mesmos medos.

Nos seus 20 anos de carreira, a sra. tem observado se houve avanços nas empresas em relação a isso?

Hoje, temos mais mulheres na liderança, (apesar de) muito pouco ainda. Então, há mais lugar de fala. Na Merz, eu tenho essa bandeira, por isso temos 60% da liderança com mulheres. Mas eu acho que isso tem muito a ver com eu ser mulher e eu ser presidente. Honestamente, não sei se seria assim se fosse um homem. Mas ainda penso que estamos muito longe. É muito comum eu ainda ir para algumas reuniões e só ter homens. Melhorou, mas os números ainda são muito muito negativos. É tudo ainda é muito voltado para o masculino.

E qual é o papel dos homens nessa mudança?

Sendo simplória, existem dois tipos de homem: aqueles que realmente estão alheios a esse universo e por isso não fazem a diferença, e aqueles que percebem, mas não acham que nós somos capazes, e diminuem o nosso potencial e o nosso valor. Então, eu diria que o mais fácil, num primeiro momento, seria trazer o primeiro grupo como aliado, porque uma coisa é nós, mulheres, falarmos, e outra coisa são homens falando o que precisa ser feito para homens, ecoa de outra maneira.

Quando vemos sua apresentação no LinkedIn, logo de início a sra. se apresenta como mãe de gêmeos, e só depois aborda sua experiência na liderança. O que a sra. quer comunicar com esse ato?

Eu quero comunicar quem eu sou e não aonde eu estou. Hoje, eu estou como CEO, mas eu sou a Giovana, mãe da Carolina e do Eduardo. Nunca vou deixar de ser. Para ser uma líder verdadeira, inspirar as pessoas, fazer com que elas se movam pelo que eu falo, elas precisam acreditar em mim, precisam olhar para mim e ver quem eu sou. Eu mostro minhas verdadeiras fraquezas, vulnerabilidades. Na pandemia, quando eu assumi como CEO, eu chorava com as pessoas. Fazíamos encontros online para eu continuar tendo contato e falar com elas. Vejo que essa conexão que eu criei em 2020 e que perdura até hoje, para mim, é o grande sucesso que eu tive e que a empresa teve. A parte financeira é uma consequência do que as pessoas estão fazendo por trás. E eu acho que isso fez e faz toda a diferença, pela maneira como trabalhamos e pelos resultados que temos.

https://www.estadao.com.br/economia/governanca/dia-das-maes-ceo-merz-aesthetics-entrevista

Foto: Merz Aesthetics/Divulgação

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