Das pequenas para as gigantes: como startups ajudam grandes empresas com soluções sustentáveis

Produtos ofertados vão dos mais tradicionais de logística reversa aos mais inusitados, como ‘milhas ecológicas’ e eletrônicos de café; segundo pesquisa, nos últimos 10 anos antes da COP-30, em média 40 dessas empresas foram criadas anualmente no País
Por Shagaly Ferreira
Dirigidas por mulheres e com operação na Bahia, as startups So+ma e Solos têm ainda mais um ponto em comum: ambas firmaram parceria com o Grupo Heineken para ofertar soluções locais em logística reversa. A cervejaria tem como uma das metas de sustentabilidade alcançar 100% de circularidade de garrafas em até cinco anos após a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), que ocorrerá este ano no Brasil. E é justamente para alcançar esse objetivo que as empresas de menor porte entram com sua expertise e poder de diálogo com a comunidade.
“A responsabilidade da companhia no País, que tem dimensões continentais, é enorme, e um dos grandes desafios para atingir a meta de circularidade é o engajamento de consumidores e dos pontos de venda”, explica a diretora de sustentabilidade do Grupo, Ligia Camargo. “Precisamos de quem trabalha na ponta, como Solos e So+ma, para fazer justamente essa conexão. É a união de uma grande companhia com parceiros que estão onde os braços dela não alcançam.”
Com a Solos, os braços da companhia chegaram até o distrito turístico de Caraíva, em Porto Seguro (BA). A startup estabelece uma ponte entre turistas, moradores e catadores para a recolha e a destinação adequada de garrafas de vidro, especialmente em datas festivas e de alta temporada. Desde 2020, o projeto intitulado “Vidrado” já realizou a coleta de 300 mil unidades.
Já a So+ma atua na capital baiana e dispõe de contêineres em pontos estratégicos para coleta dos recipientes. Como em um programa de fidelidade, ela disponibiliza um aplicativo para que os usuários possam fazer a entrega do material e acumular pontos, que podem ser trocados por produtos alimentícios no local. Entre 2019 e março de 2025, mais de 1,7 mil toneladas de vidro foram recolhidas para a Heineken por meio dessa solução.
“É um caminho que as startups vão criando de confiança junto às grandes empresas, mostrando resultados e transparência. Somos apaixonados pelo problema e temos sede de inovar”, diz a CEO da So+ma, Claudia Pires. A fundadora da Solos, Saville Alves, complementa: “Queremos ser atores relevantes e trazer soluções para aumentar os índices de reciclagem no Brasil, e a estratégia é crescer por meio das grandes companhias”.
Soluções verdes
A oferta de soluções verdes, aquelas que favorecem o desenvolvimento sustentável, tem sido um nicho favorável a pequenas empresas e startups no Brasil, especialmente em um cenário às vésperas da COP-30, no qual grandes companhias fazem compromissos públicos na área, por meio dos relatórios de sustentabilidade, documentos que passarão a ser obrigatórios para as companhias de capital aberto em 2026, pela resolução nº 193 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Segundo o estudo da Climate Ventures “Ecossistema Onda Verde – Mapa da Inovação Verde no Brasil”, publicado em fevereiro deste ano, 38% das organizações ofertantes de soluções verdes no País faturaram em 2023 valores entre R$ 101 mil e R$ 4 milhões. Para 2024, uma projeção sobe para 43% o índice de empresas do segmento com faturamento semelhante. A pesquisa tem como maior parte dos respondentes representantes de empresas de pequeno porte.
O movimento, ao mesmo tempo em que impulsiona financeiramente as pequenas empresas, ajuda as grandes a reduzir externalidades negativas sobre o meio ambiente, em uma divisão de responsabilidades chamada governança circular, explica a especialista Ana Coelho, que atua como coordenadora no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Com as soluções sendo oferecidas pelas startups, o investimento nas iniciativas para uma gestão responsável é direcionado não só para áreas de pesquisa internas, mas terceirizadas via pequenas empresas.
A gigante Natura, por exemplo, conhecida pelo engajamento na agenda ambiental, tem trabalhado em parceria com cerca de 15 startups focadas em soluções verdes por meio do programa Natura Startups, de 2016, e do Natura Ventures, um fundo de capital de risco de R$ 50 milhões lançado no ano passado.
De acordo com a companhia, “essas parcerias são estratégicas e fundamentais para avançar em seus compromissos públicos de sustentabilidade, especialmente nas suas metas de impacto para 2030 e 2050, que são ambiciosas”. Em 2024, a empresa apoiou startups das áreas de carbono, energia limpa, reciclagem de plástico de uso único e logística reversa na venda direta.
Segundo Coelho, as grandes empresas, como a Natura, têm o poder econômico e a grande influência sobre a cadeia de produção. Isso faz com que elas exerçam um papel muito importante de impulsionar a criação e cocriação de soluções mais sustentáveis. “Historicamente, essas práticas e inovações nasciam de áreas de P&D (pesquisa e desenvolvimento) dessas grandes empresas, com muito investimento. Mas, nesses últimos anos, o que temos visto é que há soluções sustentáveis sendo protagonizadas cada vez mais por empresas de pequeno porte, e isso é uma mudança significativa.”
Além disso, a pesquisadora aponta que as grandes empresas buscam nas pequenas a maior flexibilidade e desburocratização que permitem ações de curto prazo sem maiores mudanças operacionais. “Isso traz mais agilidade e eficiência para gerar transformações. Às vezes, as grandes também buscam a solução de uma pequena porque é mais fácil fazer essa parceria do que ter que mudar todo um processo dentro da sua linha de produção, e isso é vantajoso. Além disso, há desafios que uma organização grande isoladamente não é capaz de solucionar.”
Um exemplo de suporte a esse tipo de demanda é visto na startup Amitis, de Maceió (AL), voltada totalmente aos serviços B2B (de empresa para empresa, em inglês). Segundo a cofundadora, Liliane Vicente, o serviço ofertado para as grandes une ambições sociais e ambientais, com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Por meio do investimento delas, a startup oferece uma estrutura para a confecção de hortas hidropônicas em garrafas PET dentro de escolas públicas, acompanhadas de aulas de educação ambiental para cuidado com as hortaliças. O alimento, produzido sem agrotóxicos, é utilizado na merenda escolar.
A Amitis já realizou projetos com empresas como a Cargill e a Caixa Econômica. “É uma solução na qual conseguimos vender projetos de aplicação para as empresas, e o nosso foco são aqueles que são voltados ao impacto social ou que precisam compensar externalidades. Então, acabamos sendo um braço operacional para elas, reportamos os indicadores do retorno social e complementamos essa necessidade de mercado.”
Distribuição no Brasil
De modo geral, os produtos e serviços ofertados por pequenas empresas verdes estão espalhados pelo Brasil e podem variar desde um trabalho mais conhecido, como as soluções da Amitis, da Solos e da So+ma, até os menos comuns, como o caso dos eletrônicos sustentáveis da Händz, fundada por Rodrigo Lacerda, em Curitiba (PR). A empresa fabrica desde cabos de recarga a caixas de som com materiais como bambu, café, fibra de trigo e cortiça, reduzindo o uso de matérias-primas fósseis.
Um dos focos da Händz é a venda corporativa desses itens, que seguem para as grandes empresas personalizados para serem usados como brindes para clientes e funcionários. Nomes como Bunge, Deloitte e Coca-Cola já foram atendidos. “As pessoas estão mais interessadas em receber um presente com propósito e, com as empresas preocupadas com ESG, elas têm esses produtos como um diferencial. Nosso objetivo é reduzir o impacto ambiental da cadeia de eletrônicos, trazendo alternativas mais conscientes, sem abrir mão de performance e estilo.”
A empresa de Lacerda foi projetada em 2017, justamente quando houve um pico de startups com soluções verdes criadas no Brasil, segundo levantamento da plataforma Distrito, solicitado pelo Estadão. Entre 2014 e 2024, últimos 10 anos antes da COP-30, em média 40 pequenas empresas do segmento foram fundadas anualmente no País. O levantamento considerou tanto as empresas que têm clientes de pessoas físicas quanto aquelas cuja clientela está interessada em produtos e serviços para pessoas jurídicas.
Quando o foco são as pequenas empresas em operação por região, o Sudeste é a principal sede dessas companhias de menor porte, com base no mapeamento da plataforma Onda Verde, feito pela Climate Ventures para o Estadão. O alto volume é explicado pelos números de São Paulo (SP). O Estado concentra 69% das 281 organizações do segmento em toda a região.
Na análise da gerente da plataforma, Amanda Magalhães, localidades nas regiões Sul e Norte (recentemente, em virtude da COP-30) têm mostrado bons números de inovação em crescimento. No entanto, o destaque para o território paulista tem relação histórica com o fato de a região concentrar o mercado financeiro do País, explica. “Além da concentração financeira, São Paulo é onde há mais eventos de mobilização do ecossistema, mais visibilidade e mais programas de aceleração.”
É na capital paulista que está sediada a Ecomilhas, criada por Lucas Nicoleti. Com 13 grandes empresas na lista de clientes, incluindo iFood e Grupo Fleury, ela oferece um serviço corporativo que estimula funcionários a usar meios de transportes menos poluentes, como bicicletas, para ir ao trabalho. As emissões de carbono evitadas viram “milhas ecológicas”, semelhante às milhas aéreas, e são revertidas em benefícios para os colaboradores nas empresas, como saldos extras no vale refeição.
A localização em meio a um celeiro de outras startups impulsiona planos de crescimento para além do B2B. “Quero ter a solução de descarbonização referência na mobilidade sustentável, no que tange a viagens corporativas e deslocamento de casa para o trabalho. Mas sonho em entregar, no futuro, também um protagonismo no mercado de carbono para pessoas físicas para que possam vender o seu crédito de carbono, com o Ecomilhas fazendo a intermediação. Isso traria um nível de justiça climática muito forte”, projeta Nicoleti.
COP-30, oportunidade e cautela
Neste ano, com a expectativa de que o Brasil possa oferecer as resoluções para a agenda climática durante a COP-30, a oportunidade para as pequenas empresas verdes pode ser favorável para novas parcerias e crescimento, considerando a potencial capacidade de atração de investimento. A visão é compartilhada por especialistas ouvidos pelo Estadão e também pelo cofundador da Eureciclo, Marcos Matos. “A COP-30 vai ser uma oportunidade muito positiva para as empresas exporem o que estão fazendo e se conectarem para fazer projetos maiores.”
No entanto, um contexto favorável não isenta quem deseja empreender na área ou atender clientes gigantes de ter cautela e agir com planejamento, pondera o gestor. A startup que Matos dirige começou tendo 137 empresas como clientes em 2017, e, em menos de 10 anos, cresceu e passou a atender 7 mil companhias no Brasil e no Chile. O crescimento e o ganho de autoridade foram se consolidando gradualmente e, hoje, grandes marcas como Qualy, Fini e Italac utilizam o selo Eureciclo em seus produtos, indicando que, por meio da solução, para cada embalagem colocada no mercado, uma é reciclada em troca.
Para escalar durante esse tempo e manter a parceria com grandes empresas, foi preciso mesclar oportunidade com planejamento. E esta é a orientação primordial que o gestor dá para os pequenos negócios verdes que sonham em prosperar.
“Não adianta ter um impacto grande e quebrar o caixa, nem a preocupação em ganhar dinheiro sem pensar no impacto gerado. É muito importante ter o equilíbrio entre o ambiental, o social e o economicamente sustentável, além de ter a lógica de governança e compliance, (para) dar segurança às empresas (clientes) e profissionalização ao setor”, diz. “Sou otimista com o mundo. Iremos ter problemas ambientais no curto prazo, mas onde houver problemas terão empreendedores com soluções.”

Foto: Taba Benedicto/ Estadão